Limites às rendas na Habitação

A Lei Nº56/2023 de 6 de Outubro, mais conhecida como Pacote Mais Habitação, veio estabelecer algumas medidas no mercado de arrendamento, nomeadamente colocando limites às rendas na habitação.

Ficou aprovado que a renda inicial nos novos contratos de arrendamento não pode exceder o valor da última renda praticada sobre o mesmo imóvel em contrato anterior, aplicado o coeficiente de 1,02%.

Em termos práticos, poderia querer dizer que se em Julho de 2023 a renda praticada era de 300€, um novo contrato celebrado em Novembro de 2023 não pode ter uma renda de 600€.

Com isto, o Governo pretende colocar um travão ao que considera um aumento exagerado das rendas e assim permitir que mais pessoas consigam aceder ao mercado de arrendamento. Para muitos ainda se trata da única forma de obter habitação.

Contudo, ou se tratou de uma lei mal pensada e estruturada para os fins pretendidos ou trata-se de uma lei redigida apenas para “mostrar que estamos a tomar medidas” atendendo ao descontentamento geral que se vinha a fazer sentir.

De toda a forma, parece-me claramente que é uma medida que pouco efeito prático irá ter.

O que diz a Lei?

Vejamos então o que diz a lei, analisando por pontos.

– A limitação é para as rendas inicias, ou seja, para novos contratos de arrendamento celebrados após o dia 7 de Outubro de 2023. Mas atenção que aqui há uma forma simples de contornar esta situação. No contrato de arrendamento celebrado em Novembro de 2023, pode ficar estabelecido que a renda inicial é de 1020€ (1000€ era a renda anterior; 20€ é a aplicação do coeficiente) e que em Novembro de 2024 (só é permitido atualizações ao fim de um ano de contrato) a renda passa para 1500€.

Sim, isto é permitido! A limitação é apenas para a renda inicial. Em matéria de atualizações, vigora a vontade das partes e se ficar estipulado no contrato, depois não vale a pena reclamares.

– A limitação de 2% apenas se aplica a imóveis para fins habitacionais. Quer isto dizer, que os imóveis que se destinam a comércio ou serviços não estão abrangidos. Para estes vigora a liberdade para estipulares o valor de renda que pretenderes.

– Apenas se aplica a imóveis onde tenha existido contratos de arrendamento celebrados nos últimos cinco anos. Quer isto dizer que a limitação de 2% só se aplica se houve contratos de arrendamento celebrados entre 7 de Outubro de 2018 e 7 de Outubro de 2023. Assim, se o último contrato foi celebrado em Outubro de 2016 e o novo é celebrado em Dezembro de 2023, não se aplica esta limitação.

Exceções

– A limitação aplica-se apenas a contratos que excedam os limites gerais de preço de renda por tipologia. Estes limites estão previstos nas tabelas 1 e 2 da Portaria Nº176/2019 de 6 Junho (Tabelas das rendas acessíveis). Exemplo prático: Contrato celebrado em Janeiro de 2020 com uma renda de 250€ para um apartamento T1. A tabela das rendas acessíveis estipula que em Viana do Castelo, um apartamento T1 tem como renda máxima de 356€. Tendo em consideração que no meu contrato vigorava uma renda inferior, se eu quiser celebrar um novo contrato em Janeiro de 2024, não vou estar limitada pelos 2% e posso estipular qualquer valor para a renda.

Se o contrato anterior não foi objeto de uma ou mais atualizações legalmente permitidas, ao valor da renda inicial podem ainda ser aplicados os coeficientes anuais. Isto, desde que não tenham passados mais de 3 anos sobre a data da sua aplicação. Exemplo: Contrato celebrado em 2021 com uma renda de 1000€ e que terminou em setembro de 2023 sem nunca ter sido atualizada a renda. Em novembro de 2023 é celebrado um novo contrato. A renda a aplicar não será de 1020€, mas sim de 1080€. Porquê? 1000€ X 1,0043 (coeficiente de 2022) = 1004,30€ ; 1004,30€ X 1,0543 (Coeficiente de 2023) = 1058,83€; 1058,83€ X 1,2 % (coeficiente para novos contratos) = 1080€

– Nos imóveis que sejam objeto de obras de remodelação ou restauro profundos, comprovados e atestados pela Câmara Municipal, à renda inicial pode acrescer o valor correspondente às despesas suportadas pelo senhorio até ao limite anual de 15%. Não fazia sentido um comprador adquirir um imóvel, fazer obras de remodelação profundas e ficar limitado a uma renda muito baixa. Trata-se de uma forma de compensar o investimento e a melhoria da qualidade da habitação.

Questões pertinentes

1- Se eu adquirir um imóvel em dezembro de 2023, como sei se ele esteve arrendado?

Enquanto comprador, não tens como aceder a esta informação. Não sabes se o imóvel esteve arrendado e por qual valor, e ficas dependente da palavra do proprietário. A nível fiscal tudo é sigiloso, ou seja, apenas o proprietário ou mandatário com poderes para o efeito, pode obter informações fiscais. Claro que há formas de te precaveres. Nomeadamente, solicitando ao proprietário uma declaração fiscal onde conste se o imóvel esteve ou não arrendado e valores. Também podes incluir uma clausula no CPCV e na escritura onde o proprietário preste essas informações.

2- Em caso afirmativo, estou limitado pelo aumento dos 2%?

Sim! O limite das rendas está ligado ao imóvel e não ao proprietário. Infelizmente, se o anterior proprietário estava a cobrar uma renda muito baixa (um péssimo contrato), tu vais ter de te sujeitar.

3- Tenho um imóvel que esteve em regime de arrendamento total e que agora irei colocar em arrendamento por quartos. Posso praticar qualquer valor?

A lei não aborda diretamente esta questão, mas o que parece fazer mais sentido é que o valor dos quartos não pode ultrapassar o valor total da renda acrescido dos 2%. Exemplo prático: Contrato de habitação total com uma renda de 600€ que termina em agosto de 2023. Em novembro de 2023 decides colocar em regime de arrendamento por quartos – 3 quartos a 300€ cada. O que faz sentido é o preço que cobras pelos 3 quartos não exceder o valor de 600€ + os 2%. E o mesmo acontece em sentido inverso, ou seja, se tens em regime de arrendamento por quartos e pretendes passar para o arrendamento total.

Consequência

Se ultrapassar o limite dos 2% o que acontece? Não sei e acredito que o Estado também ainda não sabe. Elaboraram a lei, mas não estipularam as consequências. Das duas uma: ou ao tentares comunicar o contrato, a AT automaticamente confirma os limites de valor e não deixa avançar com a comunicação (o que acho muito difícil de acontecer atendendo às muitas exceções existentes) ou então vai-te permitir comunicar o contrato, mas daqui a uns meses vais receber uma carta das finanças onde irá solicitar a correção dos valores e provavelmente aplicar uma coima.

Dicas Bónus

(Formas de contornar a situação do limite das rendas na celebração de um novo contrato):

Aumento da renda por acordo com o arrendatário que irá sair– Contrato em vigor, celebrado há menos de 5 anos com uma renda de 300€, que termina em Dezembro de 2023 e o inquilino não pretende continuar. Eu quero aumentar a renda para 500€ em Janeiro mas estou limitada pelo aumento de apenas 2%. O que fazer? Posso acordar com o arrendatário uma subida para 500€ nos últimos 2 meses (nem que eu lhe devolva a diferença). Apenas tenho de comunicar alteração de valor às finanças. Assim quando celebrar novo contrato, já vai contar a ultima renda praticada, ou seja, 500€ + 2%

Cedência de posição contratual a um familiar – Em contrapartida, também posso efetuar uma cedência de posição contratual para um familiar nosso ou amigo com o valor de renda que pretendo. Como se trata de um acordo entre as partes e é o mesmo contrato, não está limitado aos 2% e já possui um valor de renda mais alto. Apenas é necessário preencher o modelo 2 e pagar o imposto de selo (10% do valor de renda comunicado).

Aluguer de bens móveis – É possível no novo contrato cumprir o limite das rendas e colocar uma clausula onde se estipula um valor para o aluguer de bens móveis. Por exemplo: renda 500€ + 150€ a título de aluguer de bens móveis o que dá um valor total de 650€. Atenção que não recomendo esta situação pois nesta situação, posteriormente irá ser tributado em sede de IVA e caso o inquilino deixe de pagar o valor referente ao aluguer de bens móveis, não tem fundamento para rescindir o contrato de arrendamento.

Concluindo

Como podes ver, uma única medida desta lei pode dar azo a muitas interpretações e situações. É imprescindível estares informado e consciente de algumas situações. Espero ter conseguido ajudar a perceber melhor um bocadinho e também a entender que há formas de conseguires te precaver e de salvaguardar o teu património, podendo cobrar o valor que consideras justo e adequado ao investimento que fizeste.

Fontes: https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?tabela=leis&nid=3709&pagina=1&ficha=1

https://diariodarepublica.pt/dr/detalhe/portaria/176-2019-122520773

Junte-se à discussão

Compare anúncios

Comparar

Não é permitido essa funcionalidade